O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sábado, março 03, 2018

A psiquiatria uma forma de controle do corpo e da “alma” das mulheres.







O CASAMENTO: "A propriedade, cuja primeira forma, o germe, reside na família [...]. A escravatura, embora ainda muito rudimentar e latente na família, é a primeira propriedade [...]" do Homem, a Mulher. 
Karl Marx e Engels

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Nesta obra (1985), Elaine Showalter, com suporte em múltiplas fontes como representações da loucura na literatura e na arte (pintura, fotografia e cinema), memórias privadas e literárias de doentes ou ex-doentes, registos médicos e hospitalares, aborda de um modo exaustivo e cativante a feminização da loucura, ou seja, o modo como a classe médica, durante o século XIX, medicalizou a loucura, tornando-a uma questão feminina ( os homens só se tornaram doentes mentais durante e após a I Guerra Mundial e mesmo aí não eram loucos, eram ‘traumatizados de guerra’) e a psiquiatria uma forma de controle do corpo e da “alma” das mulheres.
Deixo aqui um parágrafo que nos dá conta de como isso se podia fazer:
“A regulação dos ciclos menstruais das mulheres parece, frequentemente, ser um esforço da psiquiatria Vitoriana para adiar ou extirpar a sexualidade feminina.
O médico Dr Edward Tilt advogava que a menstruação era tão perniciosa para o cérebro feminino que não devia ser estimulado, antes adiada tanto quanto possível e aconselhava as mães a prevenir a menarca assegurando-se de que as filhas adolescentes permaneciam nos quartos de infância, tomavam banhos  frios evitavam camas com colchões de penas, liam romances, eliminavam a carne da dieta alimentar e vestiam ceroulas.” 
[The Female Malady p. 75]


CURAR  O DESEJO E A PAIXÃO DA MULHER
É QUERER CURAR O IMPOSSIVEL... 


"CATARSE foi um termo empregado no tratamento inicial de Histeria por Freud e Breuer, referia-se a descarga (ab-reacção) da paixão não resolvida que teria raízes nas "reminiscências" de que sofreria a histérica. No drama inicial da "cura pela fala", houve uma espécie de " purgação" de algo que permanece em suspenso, en souffrence, na paixão da histérica, inscrevendo-se nos enigmáticos sintomas corporais de que ela se queixava e para os quais pedia cura."

Estava a reler o livro do qual tirei este excerto, Eros e Verdade, sobre a psicanálise e Freud e outros, no principio do seculo XX, que tentaram diagnosticar as doenças das mulheres consideradas histéricas e que na época sofriam todo o tipo de condicionamento e repressão social familiar e psicológica, tendo sido marcadas por abusos e sofrimentos imensos - mulheres inteligentes e sensíveis - que estavam totalmente presas a uma sociedade atrasada beata e retrógada, e que sempre foram vitimas de pais e maridos déspotas...Histéricas... condenadas ao descrédito, sem voz e sem voto na matéria...sem liberdade nem possibilidade de escolha...e vistas como Antígonas, a mulher que sofreu a maior perseguição e condenação na historia da mitologia grego romana...a grande histérica...além de Cassandra condenada por Apolo - mulheres que o patriarcado desfigurou ...e assim, "Dora, Irma, Anna e as outras iriam transformar-se nas Antígonas desse teatro vianense (...) dentro da relativa privacidade do consultório de Freud...que focalizou o "desejo" que essas histéricas desafiavam os seus médicos a localizarem em no seu corpo e com isso curá-las: um desejo que ele seria levado a reconhecer tão inflexível , tão destemido e tão implacável quando ao de Antígona."
São essas mulheres intensas e capazes de desafiar a ordem patriarcal que os homens de hoje não suportam e que desde há muito tudo fazem para controlar manter submissas ou destruir pela vulgarização e até mesmo matar...

Pensar que havia mulheres "sérias", senhoras da corte, mães de família, que iam aos médicos que as masturbavam para as curar da depressão e angustia...impedidas pela virtude, mesmo como mulheres casadas, a manterem-se frigida e castas... porque lhes era proibido pela religião e os costumes poderem sequer sonhar com o prazer da mulher ou com o orgasmo...que era pecado que confessavam aos padres...
Havia certamente muita devassidão entre as classes mais baixas mas era das mulheres pobres e desgraçadas as prostitutas de rua e bordeis...
Mas, pergunto, como poderiam estes homens como Freud compreender e entender as mulheres ou mais tarde Lacan, este cretino, que disse que a mulher não tinha a palavra porque não tinha falo...para eles todas as mulheres que não obedeçam e cumpram as suas leis são histéricas...

E quantas dessas mulheres não foram internadas em Manicómios só porque não serviam de modelo e infringiam as leis e confrontavam os maridos e pais?

Na época vitoriana, "W. Tyler Smith, por exemplo, recomendava injeções de água gelada no reto, a introdução de cubos de gelo na vagina e a aplicação de sanguessugas nos grandes e pequenos lábios e no colo do útero” e pormenorizava: “A rapidez com que as sanguessugas aplicadas nestas áreas se enchem de sangue, aumenta significativamente os efeitos benéficos desta prática e, durante horas, podemos observar como, mesmo depois de removidas as sanguessugas, o sangue ainda escorre das marcas das mordidelas”.

Nessa altura (segunda metade do século XIX), a Sociedade de Obstetrícia de Londres acreditava piamente que a maior causa de loucura entre as mulheres se devia à masturbação pelo que nada mais eficaz do que sujeitá-las à prática de clitoridectomia radical, mesmo quando a queixa da doente tinha a ver com falta de visão ou falta de apetite, ou quando, inadvertidamente, manifestava em voz alta curiosidade quanto à nova Lei do Divórcio de 1857.
Já não se trata pois da época vitoriana...em que os médicos tratavam o corpo e os ciclos da mulher dessa maneira barbara, mas agora e desde o inicio do seculo passado, já mais a nivel psiquico e mental apenas como todas as manifestações emocionais eram tomadas como histeria se a mulher não se conseguisse controlar...

Hoje temos a ciência a controlar o desejo e os ciclos da mulher com químicos...o que é que mudou? Um dia percebemos que de forma tão bárbara como na época vitoriana...as mulheres foram igualmente controladas e manipulas e sofreram as consequências desta ignorância milenar sobre a Mulher autentica e livre das sociedades matriciais.

Hoje podemos olhar para a histeria como manifestação de emoções reprimidas, assim como o seu dom oculto de intuir e pressentir mundos paralelos, sofrer a influência das lunações etc. e vemos como essa histérica  escondia  uma Mulher imensa obrigada a calar-se e que sente muito mais do que o homem e  por isso mesmo não tinha crédito nas sociedades anteriores  e também a actual. Nos nossos dias a mulher já não é considerada histérica do mesmo modo mas é...bipolar ou ninfomaníaca...ou uma puta... se buscar sexo em demasia ou for muito livre e é essa a sua liberdade de hoje, mas essa mulher continua a ser a mulher sem voz do utero, das entranhas que interpretava o Oráculo de Delfos e foi condenada ao descrédito pelo deus Apolo, que a matou a Grande Serpente, e esconde a mulher instintiva, a mulher selvagem, a mulher que quer ser a sua totalidade e impedida de se expressar e manifestar o seu fundo abissal - esse fundo ctónico que o homem jamais poderia entender quanto mais tratar...e que toda a psicanálise condena como primitiva e denigre o matriarcado como sendo um principio de odio aos homens...

A histérica escondia a repressão da mulher que queria poder manifestar essa sua força reprimida, o seu poder intrínseco, a sua fúria de amar em todos os sentido e que a sociedade judaico-cristã fechada e moralista da época quis controlar e mal essas mulheres se expressavam em fúria o homem o pai e o marido encerraram em manicómios dezenas de mulheres perturbadas pelo desejo da mulher de ser ela - face a uma moral e religião hipócrita e redutora...

Mas o que mais me chocou no texto do livro em questão foi o tratamento de histéricas a todas as mulheres que manifestavam o sofrimento dessa repressão, e o trata-las como histéricas, doentes...essas mulheres marcadas por amores e paixões violentas, por sofrimentos e abusos tremendos, essas mulheres contidas e impossibilitadas de serem e dizerem o que sentiam reprimidas familiar e socialmente por costumes rígidos que as obrigavam a ser esposa obedientes ou concubinas rameiras e prostitutas desprezadas. Mulheres que sonhavam com o amor, com a paixão que dá aso à mulher sensual e selvagem e que nenhum homem consegue perceber ou enfrentar...e pensei nessas mulheres todas entregues aos tratamentos e ao pensamento redutor da psicanálise desses senhores prepotentes e patriarcais em avaliar e analisar e a querer curar o DESEJO DA MULHER ...a paixão da mulher...que ridículo é isto tudo ou devia ser aos nossos olhos de hoje...de mulheres conscientes, mas somos nós conscientes do nosso desejo mais puro e violento? Ou não passamos ainda de histéricas e loucas e dementes, obsessivas sexuais, carentes emocionalmente e híper excitáveis, ou apenas inconscientes do verdadeiro desejo do SER MULHER?

Os tempos mudaram...mas não basta à mulher ter liberdade e ordem para fornicar...ser adultera, ou "fazer amor" como eufemisticamente se diz quando se pratica só sexo pelo sexo, sexo genital mecânico...como as mulheres muito jovens fazem em nome da emancipação e essa foi a liberdade que a mulher moderna conseguiu, mas NÃO é a liberdade do seu ser total e absoluto...o seu desejo universal, o seu desejo substancial e oceânico, mais profundo que o mar profundo...
rlp

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